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Vânia Tolipan

sex, 24/05/2013 - 13:46 -- Divercidades
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Vânia Tolipan do núcleo de dança portadores de alegria

Vânia Tolipan acreditou que pessoas com deficiência podiam dançar e se transformar em bailarinos, em uma época em que a sociedade não se envolvia tanto nas causas de inclusão social, como hoje. O sonho de Vânia mudou a realidade dela própria e dos alunos do Núcleo de Dança Portadores de Alegria, que faz importante trabalho de inclusão social por meio da arte em Macaé. Em entrevista para o Portal Divercidades, Vânia que é presidente do Núcleo fala sobre a inclusão social, o poder transformador da arte, a criação do Núcleo de Dança e muito mais.

 

Portal Divercidades - Você é nascida em Campos dos Goytacazes. Quando e em que circunstâncias você veio para Macaé?

Vânia Tolipan - Eu sempre passei verão em Macaé e sempre fui apaixonada pela cidade. Logo quando me casei fui morar um tempo do Rio e, eu e meu marido resolvemos acabar de criar nossos filhos em Macaé. Isso tem 37 anos. Há 37 anos moramos em Macaé. Então, eu já me sinto macaense.

Portal Divercidades - Qual é a origem da sua deficiência?

Vânia Tolipan - Eu tive paralisia infantil aos 3 anos de idade e a doença afetou as minhas duas pernas. Na época, a coisa era muito complicada, mas eu tive uma família maravilhosa. Meus pais me conduziram para o tratamento e a coisa foi evoluindo. Eu fiz 10 operações na perna, ainda criança, e, a partir daí eu comecei a caminhar. Eu uso dois aparelhos ortopédicos. A minha vida sempre foi normal e nunca tive diferenciação na minha família. Casei com 17 anos e tive dois filhos. Sou casada há 46 anos e tenho quatro netos maravilhosos. Então, eu nunca senti que a deficiência tivesse me tirado alguma coisa. É isso que eu passo para os meus colegas e para as pessoas que por causa de um acidente adquirem a deficiência. Alguns acham que o mundo acabou ali. Mas, não acabou. Eles vão mudar um pouco de vida, mas, a vida continua. Eu estou aqui trabalhando, tenho 66 anos e sou bailarina. Olha só que coisa boa! Mas, isso eu devo muito à minha família. Isso eu passo muito para os familiares (dos alunos do Núcleo), que se nós tivermos tratamento, mas, a família não acreditar na gente, fica tudo mais difícil.

Portal Divercidades - Você se tornou uma empreendedora social e cultural de referência na cidade. Houve algum aspecto na sua formação, seja no ambiente familiar, escolar ou de outra vertente, que contribuiu para isso?

Vânia Tolipan - Sim. A minha mãe e o meu pai eram dinâmicos e sempre foram. Eles acreditaram em mim. Eu estudei e na época era tudo muito difícil. Quando eu não podia ir às aulas, eles contratavam professores particulares. Nunca deixei de estudar. Isso é outra coisa que falo muito para meus colegas, que a gente tem que estudar. Nós queremos o nosso direito, mas, nós também temos que ter os nossos deveres. Para você ter um lugar ao sol, hoje, você tem que estudar. Hoje as coisas facilitaram. Na minha época, as coisas eram tão difíceis e mesmo assim eu consegui.

Portal Divercidades - Você já ocupou cargos em Conselhos Municipais. Fale mais sobre como você se envolveu com políticas sociais e a importância dessa experiência na sua vida.

Vânia Tolipan - Nós temos direitos, então nós temos que buscá-los. Acho que um caminho muito saudável é através dos conselhos. No conselho você tem direito a voz e direito a voto. Quando cheguei em Macaé ainda não existiam conselhos. Isso tem uns 18 anos. Nós, eu e outras pessoas da área social, fundamos o COMAS (Conselho Municipal de Assistência Social) e na época eu fui eleita a presidente. A gente vem batalhando com esse conselho e tem algumas conquistas como o fundo social que distribui a verba para a parte social. Depois, eu vi a necessidade de fundar o Conselho da pessoa com deficiência (Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência) que existe até hoje. Na época, existia o fundo da pessoa com deficiência que depois foi extinto. Atualmente, eu faço parte do conselho da cultura (Conselho Municipal de Cultura) porque a minha área é mais a área cultural e social. Acho que as pessoas têm que buscar seus direitos. Faço parte do COMAs ainda hoje, depois de 18 anos. Mas, não como presidente e, sim como conselheira. As gestões governamentais vão passando, mas você com a causa, você fica. É isso que eu digo sempre. Às vezes as pessoas ficam desanimadas com alguma situação e eu digo para eles que os governantes passam, eles vão mudando, mas nós que somos da causa, ficamos. Acho que se todos os governantes entendessem um pouco o valor que tem os conselhos, eles governariam melhor porque eles iam ouvir o nosso lado.

Portal Divercidades - Como e quando surgiu o “Núcleo de Dança Portadores de Alegria”?

aluno e professor do núcleo de dança portadores de alegriaVânia Tolipan - Eu sempre fui apaixonada por dança, por teatro e pelas artes em geral. É uma coisa que acho que já nasci com isso. Teve uma vez que fui a São Paulo numa feira e vi um grupo de dança com pessoas com deficiência. Ai eu disse: — Meu Deus! É isso que eu quero. Fiquei apaixonada e entrei em contato com eles. Eles eram de Santos e eles disseram que no Rio de Janeiro existia um grupo que podia levar uma oficina para Macaé. Então, nós entramos em contato com a Teresa, coordenadora desse grupo, que veio a Macaé e fez uma oficina. Aí eu convidei todas as academias de dança e eu fui ver com quem a gente tinha mais afinidade. Nessa época, o professor Oyama Queiroz estava na oficina e eu o convidei para montar um grupo aqui em Macaé. Isso foi em 1999. Aí ele disse que sim e começamos a procurar pessoas que queriam participar. E aí, para minha sorte, meu filho fazia parte do Sated RJ (Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões do Estado do Rio de Janeiro) e trouxe um professor de teatro, o Ademir Martins a Macaé. E aí contei para ele que eu estava montando um grupo e ele ficou encantado. Aí ele falou: —Eu também estou nessa. Então ele veio de São Paulo para morar em Macaé e fundou o grupo. E foi ele que deu o nome “Portadores de alegria”. Então, a nossa fundação foi com o Oyama Queiroz e Ademir Martins que acreditaram nesse sonho muito louco meu. Aí tudo começou comigo, a Nildair, o Jamersom e aí a coisa foi crescendo, foi acontecendo e as pessoas foram vendo que a gente podia. Eu adoro desafios! Eu mandava e-mail para o maior festival de dança, que é o de Joinville, dizendo que eles tinham que abrir um dia para pessoas com deficiência. Quando finalmente eles abriram, nós fomos um dos quatro grupos, do Brasil inteiro, convidados para participar. Esse ano, infelizmente a gente não mandou porque estamos com muitas dificuldades financeiras. Porque para ir para lá tem que ter apoio, porque tem gasto com passagem, alimentação, etc. A verdadeira inclusão está aí. Nós podemos fazer o que gostamos e o que sonhamos. Na arte, eu não vejo preconceito nenhum. Júri quando julga, julga de igual para igual. Se tiver algo errado eles falam que tá errado, se tiver certo eles dão 10. Isso é o que eu quero! Mostrar que nós, mesmo com as dificuldades, podemos. O meu sonho foi ser bailarina e eu, agora, com 66 anos estou aqui dançando. É isso que eu mostro para os meus colegas, essa força tem que vir de dentro. Eu não desisto, por mais que haja dificuldades, dias bons virão.

Portal Divercidades - Qual era a proposta inicial do Núcleo?

Vânia Tolipan - Eu queria mostrar que nós podemos. Eu sempre quis ser bailarina. A gente faz esse trabalho aqui de mostrar que as pessoas com deficiência podem. O foco aqui é dança, mas não é só dança, então o deficiente quando chega aqui, a gente respeita o que ele quer. As vezes a mãe chega e diz que o filho quer dançar, mas, será que ele quer mesmo? Então a gente pergunta para o deficiente e vê o que ele realmente quer. Então, eu acho que tem que ter esse respeito. Respeito muito a opinião deles. Porque temos que ouvir a pessoa com deficiência em qualquer setor, mesmo aquele que tem dificuldade na fala, se comunica.

Portal Divercidades - Você acreditou que era possível para um deficiente dançar numa época em que não existia muitas políticas públicas e que o acesso a informações que vencem o preconceito não fosse tão difundido. Você enfrentou dificuldades para que os outros também acreditassem que o “Núcleo de Dança Portadores de Alegria” era possível?

aluna do nucleo de dança portadores de alegriaVânia Tolipan - Engraçado isso, mas, a própria pessoa com deficiência não acreditava no potencial dele. Eu tive mais dificuldade nisso do que com o público. Macaé foi uma mãe pra gente. O público aceitou de primeira! Abraçou o projeto, assim como os jornais e a televisão. Eu tive mais dificuldade foi com a família e a pessoa com deficiência. Eles olhavam pra mim e diziam: — Como é que eu vou entrar no palco com cadeira de rodas? Eu fui a primeira a dançar com uma amiga minha. Logo no primeiro ano, nós ganhamos premio na Petrobras com poesia. Hoje, eu estou com uma fila de espera imensa de pessoas que querem participar, mas não tenho mais como porque prezo muito pela qualidade do trabalho. Eu não posso colocar aqui 50, 60 pessoas porque se eu fizer isso vou perder a qualidade do trabalho. Hoje eu só posso com 32 estrelinhas que estão brilhando. Aqui, só atendemos adultos a partir de 19 anos. O trabalho das aulas é quase que artesanal, porque o aluno tem que conhecer o professor e o seu próprio corpo para saber até onde pode chegar. Atualmente, tenho uma aluna que também é fisioterapeuta e me empresta o corpo dela para eu me levantar, porque ela sabe que eu tenho dificuldade de me levantar, então eles criaram uma maneira bonita de me levantar. Nós somos premiados porque as coisas são estudadas. A motivação faz com que a gente até se supere.

Portal Divercidades - Como foi o financiamento desse projeto?

Vânia Tolipan - Eu criei esse grupo porque eu queria também me dar essa satisfação. Eu mesma e o meu marido bancávamos. Nós pagávamos os professores e eu não tinha esse espaço (onde fica o Núcleo). Um dia ensaiava na garagem de um, outro dia na garagem de outro. Um dia, uma amiga minha assistente social disse: — Vânia você tem que formatar a sua entidade, com características de entidade mesmo, para você abrir para outras pessoas você tem que ter tudo documentado. Hoje, nós somos uma entidade de utilidade pública municipal e federal, porque houve uma necessidade. Eu não esperava que fosse crescer tanto.  Nós primeiros criamos um grupo de dança para depois virar uma entidade. Aqui é sem fins lucrativos e tudo é de graça. As roupas que usamos nos espetáculos, nós mesmos é que confeccionamos.

Portal Divercidades - Como está o Núcleo hoje?

Vânia Tolipan - Eu tenho 32 alunos e com vários tipos de deficiências. E tem os voluntários que ajudam a manter. Eu acho que as pessoas precisam entender que a verba municipal que a gente recebe é de direito, que esse repasse não é um favor, elas têm que entender que estamos fazendo com que as pessoas deixem de ficar ociosas e doentes. Quando os alunos estão aqui eles estão sendo trabalhados, e a gente presta conta e faz tudo direitinho. As pessoas também precisam entender que as políticas públicas são um direito do cidadão, de qualquer pessoa, da criança, do adolescente, do idoso.  Então, independente da gestão, as políticas públicas tem que ser respeitadas.

Portal Divercidades - Lá atrás, quando você teve a ideia de criar um grupo de dança com deficientes, imaginava que fosse chegar aonde chegou?

Vânia Tolipan - Não, nunca. Eu nunca esperei. Mudei a vida de muita gente, mas, principalmente a minha. Eu fico emocionada até hoje, porque são muitas conquistas.

Portal Divercidades - Quais foram os prêmios que vocês conquistaram?

Vânia Tolipan -  O primeiro prêmio foi em 2000, em Rio das Ostras, e para minha alegria trouxemos três primeiros lugares que foram dados pelo maior conhecedor de dança na época. Era um festival de dança dos ditos normais. E consegui três primeiros lugares com um ano só de trabalho. Aquilo me deixou surpreendida. Depois, pra mim foi um prêmio poder estar no festival de Joinville, poder dividir palco com os melhores bailarinos do mundo. O Festival de Joinville é o maior festival de dança do Brasil e traz profissionais internacionais. Cada prêmio é uma conquista. Todos são importantes. E a gente leva o nome de Macaé para fora. Muitas vezes, a gente representa o estado do Rio em festivais. E agora em 2013 eu fiquei super feliz de ter sido convidada para participar da Paixão de Cristo, como atriz. Olha só que legal! A gente também faz teatro. E nós fomos recebidos pelos atores profissionais com o maior carinho e respeito, de igual para igual. Então eu acho que essa já foi uma conquista grande, esse ano. Fui homenageada com o premio Betinho 2012 e isso me deixou muito feliz, porque foi a comunidade que escolheu, foi votado pelo povo. A cada dois anos a gente participa do encontro de pessoas com deficiência em Aracaju e nós vamos dar oficina nos sertões. Olha que legal! A gente sai daqui de Macaé para dar oficina lá nos sertões de Aracaju. Então isso é um reconhecimento, porque para eles chamarem a gente é porque houve um trabalho. Aqui os professores fazem questão de mostrar a arte. Não é aquilo de dizer olha que bonitinho. Aqui a gente cobra mesmo. Os professores cobram demais e eu adoro isso. Não é porque é deficiente que tem que ser coitadinho e não fazer a coisa direito. Nós não somos coitadinhos, se queremos os nossos direitos precisamos saber dos nossos deveres. Temos que ser o melhor no que a gente faz.

Portal Divercidades - Que transformações a arte pode fazer na vida do deficiente e da comunidade onde ele vive?

Vânia Tolipan - Pra mim foi uma mudança muito boa. Hoje com essa idade eu tenho uma mobilidade muito boa, eu desço escada, eu subo, eu volto. Eu tenho força porque trabalho os movimentos e aí a autoestima vai lá em cima. Porque você se vê realizado no que você gosta de fazer e acho que o público começa a respeitar a gente mais porque não nos veem como pessoas doentes. A plateia nos vê como seres humanos capazes como qualquer um.

Portal Divercidades - O que você vê para o futuro dos deficientes que vivem em Macaé e para o Núcleo de Dança Portadores da Alegria?

Vânia Tolipan - O que eu espero não vai depender só da gente, digo dos deficientes, mas vai depender muito da gestão municipal. Isso vai depender muito de como o prefeito vai nos olhar. Eu tenho certeza que ele vai ter um olhar diferenciado e vai dar pra gente o apoio que a gente necessita. Porque sozinhos, nós não podemos. Nós temos que ter uma série de coisas que não dependem de nós, dependem do poder público. E para o Núcleo eu sempre espero coisas muito boas. A gente passa por dificuldades sim, mas eu não vou desistir. E a gente vai conseguir. Porque mesmo com as dificuldades, se você não acreditar numa manhã melhor, você para. Já tivemos muitos obstáculos, mas vamos passando por eles e um caminho maior vai aparecendo.
 

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