Família Sayão - (Foto Alle Tavares)

Menos telas e mais vida na infância

Frases como “pode desligar esse telefone”, “vamos sair desse jogo?”, “seu tempo acabou”, costumam ser um ultimato comum que os pais dão aos seus filhos, crianças ou adolescentes, na esperança da desconexão. Quem cuida deles enfrenta o desafio diário de conseguir que a criança não entre, ou que saia da tela. Agora, afinal de contas, que mal é esse que as telas podem causar?

O tempo excessivo de exposição a telas pode trazer as seguintes consequências: liberação de quantidades prejudiciais de cortisol, desencadeando reação de estresse; desejo por quantidades perigosas de dopamina, o que pode levar ao vício; redução na liberação natural de ocitocina, serotonina e endorfinas, que são a chave para a saúde, a felicidade e o sucesso a longo prazo”, ensina o livro Tecnologia na Infância, da premiada psiquiatra de Harvard, Dra. Shimi Kang.

A pediatra Dra. Luiza Vianna indica algumas boas práticas para uma infância mais saudável com um desenvolvimento normal e com menos tela como: brincar ao ar livre e levar as crianças para sair. (Foto Alle Tavares)
A pediatra Dra. Luiza Vianna indica algumas boas práticas para uma infância mais saudável com um desenvolvimento normal e com menos tela como: brincar ao ar livre e levar as crianças para sair. (Foto Alle Tavares)

Segundo explica a pediatra Dra. Luiza Vianna, o uso excessivo das telas pode causar prejuízos diferentes de acordo com a idade, entre eles: atraso na fala, no desenvolvimento motor, miopia, atrasos de interação social, hiperatividade, ansiedade, depressão, vício com viés tecnológico como vício por games, e, em quadros mais graves, até suicídio.

Por isso, a Sociedade Brasileira de Pediatria faz uma recomendação aos pais sobre uso de telas na infância, no intuito de preservar a saúde e o bem-estar infantil. A orientação é zero telas até os 2 anos; de 2 a 5 anos; no máximo 1 hora diária; de 6 a 10 anos, até 2 horas; e de 11 a 18 anos, de 2 a 3 horas por dia.

O bebê, por exemplo, aprende por observação, e quando você coloca seu filho na tela é como se estivesse desligando o cérebro dele, porque ele não está interagindo com ninguém, o processo de aprendizado fica prejudicado”, esclarece a pediatra. A médica ressalta que em crianças maiores é comum os pais perceberem que elas ficam mais desatentas, agitadas, irritadas, impulsivas e interagindo menos com outras pessoas. E na adolescência, ela pontua os riscos de isolamento social principalmente para os meninos, por conta dos games, e de baixa autoestima para as meninas, influenciadas pelo uso de redes sociais.

A psicóloga infantil Carolline Martins alerta para a importância da vigilância dos pais no uso que as crianças fazem das telas, independente do tipo de dispositivo. (Foto Alle Tavares)
A psicóloga infantil Carolline Martins alerta para a importância da vigilância dos pais no uso que as crianças fazem das telas, independente do tipo de dispositivo. (Foto Alle Tavares)

A psicóloga infantil Carolline Martins alerta para a importância da vigilância dos pais no uso que as crianças fazem das telas, independente do tipo de dispositivo, seja TV, computador, tablet ou celular. “É preciso limitar esse tempo de uso. Saber o que a criança está fazendo e acompanhar de perto mesmo. E equilibrar esse tempo entre as horas na tela com as atividades físicas, o contato com a natureza e a vida ao ar livre”, fala.

Se, de um lado, a ciência comprova os prejuízos do uso precoce e excessivo das telas, do outro lado, as famílias enfrentam os desafios de criar seus filhos em um mundo hiperconectado. E, em cada casa, cada família cria a sua forma.

Na casa da família Dias Soares

O casal Kamila Arruda Dias Soares, 28 anos, e Arthur Charles Soares Torres, 34 anos, está praticando uma reeducação digital com a filha mais velha, Valentina, de 8 anos, e criando o Timóteo, de 1 ano, em um novo contexto. Quando era mais nova, Valentina era cuidada por babás e tinha acesso liberado às telas, quando assistia Youtube.

O casal Kamila Arruda Dias Soares e Arthur Charles Soares Torres está praticando uma reeducação digital com a filha mais velha, Valentina, de 8 anos, e criando o Timóteo, de 1 ano, em um novo contexto. (Foto Alle Tavares)
O casal Kamila Arruda Dias Soares e Arthur Charles Soares Torres está praticando uma reeducação digital com a filha mais velha, Valentina, de 8 anos, e criando o Timóteo, de 1 ano, em um novo contexto. (Foto Alle Tavares)

Porém, um comportamento incomum da criança incomodou bastante os pais e acendeu um alerta. “Ela falou um palavrão e aqui em casa a gente não fala”, conta Kamila. Foi, então, que o casal decidiu começar a reduzir gradativamente o uso das telas pela Valentina e, hoje, ela só tem permissão para usar sábado e domingo das 10h às 14h e apenas jogos baixados, ela não acessa Youtube e nem a internet. Já com o pequeno Timóteo é zero tela, os pais usam muito raramente quando precisam que ele fique mais quietinho.

Arthur e Kamila comentam que a reeducação com Valentina trouxe muitos benefícios. “A irritabilidade dela melhorou muito, ela se interessa mais nas coisas, tem mais criatividade”, comenta Kamila. Mas o processo de reeducação não foi fácil. “Até hoje é difícil, toda hora ela insiste. Mas a gente precisa se manter firme e dizer não”, fala Kamila.

Na casa da família Bello

De segunda a sábado, na casa da família Bello, é proibido celular e joguinho. Ver desenho pode, TV também, mas Youtube, não. E, no domingo, é liberado para jogar. É assim hoje, mas os pais de Joaquim, de 7 anos, e Maitê, de 5, Bira Bello, 39, e Rosa Bello, 42, contam que, há um ano, eles podiam jogar por 30 minutos ao chegar da escola. “Percebemos as atitudes deles, ficavam irritados, estressados e impacientes. Aí falamos, a partir de hoje é só no domingo”, lembra Rosa.

O casal Rosa e Bira Bello sempre busca uma opção fora telas para atividades com os filhos Joaquim e Maitê, principalmente nos fins de semana, como: desenhar, jogos de tabuleiro e passear na orla. (Foto Alle Tavares)
O casal Rosa e Bira Bello sempre busca uma opção fora telas para atividades com os filhos Joaquim e Maitê, principalmente nos fins de semana, como: desenhar, jogos de tabuleiro e passear na orla. (Foto Alle Tavares)

Conforme conta Bira, as crianças também acabam usando pouco as telas porque aos finais de semana sempre tem alguma programação, como ir para a chácara dos avós, almoçar fora, andar na orla e, em casa, tem os jogos de tabuleiro em família. “É 10% tecnologia e 90% rolê”, sintetiza Bira. Os pais também estimulam o brincar mais natural e as crianças gostam de lego e de desenhar. Joaquim é apaixonado por desenhar.

Por ser cantor, Bira às vezes enfrenta questionamentos dos filhos de porquê usa tanto o celular. Mas ele conta que sempre explica que é devido ao trabalho e os pequenos entendem.

Na casa da família Souza Lins

Na família Souza Lins, os pais Camila Fonseca Lins, de 34 anos, e Fábio Vinícius Barradas de Souza, de 35, criaram uma regra diferente sobre o uso de telas. A de não ter dia e horário estabelecido para as crianças utilizarem. Via de regra, os pequenos Luísa, de 5 anos e Théo, de 3, não usam e, eventualmente quando usam, é por no máximo 1 hora. “Não quero que eles criem essa rotina e consciência de horário para assistir porque gera ansiedade”, explica Camila. E nas raras ocasiões de uso de telas, os pais selecionam o conteúdo e deixam os filhos verem apenas desenhos de baixo estímulo.

Fábio Vinícius e Camila Fonseca com os filhos Théo e Luisa. A família tem o hábito de fazer atividades ao ar livre, como andar de bike no parque. Os pais evitam estipular horários para o uso de telas para não gerar ansiedade nas crianças. (Foto Alle Tavares)
Fábio Vinícius e Camila Fonseca com os filhos Théo e Luisa. A família tem o hábito de fazer atividades ao ar livre, como andar de bike no parque. Os pais evitam estipular horários para o uso de telas para não gerar ansiedade nas crianças. (Foto Alle Tavares)

Camila, que agora é mãe em tempo integral, confessa que no dia a dia é um grande desafio manter os filhos em casa o tempo todo, sem que eles fiquem entediados. Por isso, ela tem o hábito de sair com as crianças. “Parquinho, ar livre, a piscina do condomínio, ou combino algo com amigos que têm filhos. Eles gostam de sair, eles ficam de saco cheio de ficar em casa”, conta Camila. E quando Fábio, que embarca, está em casa, faz a mesma coisa com os filhos.

Na casa da família Sayão

Quando tinha 5 anos, Douglas da Costa Sayão precisou se tratar de um problema de saúde, e os médicos restringiram as atividades físicas dele. Foi aí que seus pais, Paula Viana da Costa Sayão, 43 anos, e Fabrizio França Sayão, 55, deram para ele um tablet para ver desenhos.

Mas quando se aproximou dos 8 anos e o conteúdo escolar começou a exigir mais dele, os pais decidiram diminuir o tempo de uso de tela. Hoje, Douglas tem 15 anos e pode usar o celular 2 horas por dia, até as 19h e, nos finais de semana, após fazer o dever de casa, ele pode jogar videogame. Tudo com monitoramento dos pais, já que a mãe tem o hábito de ver o que ele acessa no celular e é notificada de tudo por e-mail.

Douglas Sayão, com 15 anos, pode usar o celular até duas horas por dia e até as 19 horas. Para equilibrar a vida online e off-line, os pais Paula e Fabrizio Sayão incentivam o filho a praticar esporte, como o basquete, paixão de Douglas. (Foto Alle Tavares)
Douglas Sayão, com 15 anos, pode usar o celular até duas horas por dia e até as 19 horas. Para equilibrar a vida online e off-line, os pais Paula e Fabrizio Sayão incentivam o filho a praticar esporte, como o basquete, paixão de Douglas. (Foto Alle Tavares)

Paula confessa que, no dia a dia, é cansativo ficar regrando o uso da tela e pedir o filho para desligar. Ela se preocupa não só com o futuro do Douglas, mas com o futuro de toda uma geração. “Vejo que eles estão perdendo a vida deles, vivendo o mundo das telas e deixando de viver o mundo lá fora”, fala.

Para equilibrar a vida online com a off-line, os pais costumam sair com ele aos finais de semana para comer uma pizza ou jogar basquete, esporte que o Douglas ama.

Estratégias para menos tela e mais vida na infância

Para devolver uma infância mais saudável, com um desenvolvimento normal e menos tela, a pediatra Dra. Luiza Vianna indica algumas boas práticas como: brincar ao ar livre, levar as crianças para sair, se for colocar algum conteúdo para a criança ver na tela que seja de baixo estímulo, evitar o uso de Youtube, limitar o tempo de uso das telas, evitar ao máximo entregar o celular na mão da criança e, antes dos 16 anos, não permitir o uso de rede social.

Para os pais que desejam entender mais a fundo sobre como construir uma infância com menos tecnologia e mais saúde, a equipe de reportagem indica a leitura do livro “Tecnologia na Infância” e a pediatra indica “A geração ansiosa”.

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