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O poeta Manoel de Barros nos brinda com uma definição poética anunciando que “a terapia literária consiste em desarrumar a linguagem a ponto que ela expresse nossos mais profundos desejos”. Já Sigmund Freud, pai da psicanálise, quem desbravou a psique humana e seus desejos inconscientes, nos ensina que os poetas e escritores tratam das paixões do ser com mais propriedade do que o teórico mais conceituado. Quem melhor que o poeta para penetrar nos mistérios do amor e nas rachaduras da dor?
A literatura é, das artes, um marco na civilização. É também aquela que nos é ensinada bem cedo e que nos permite não apenas o decifrar das letras, mas a construção de uma leitura do mundo. As palavras se tornam brinquedos e é brincando que a criança começa a ler a realidade que a cerca e a tecer a trama das suas ficções. Manoel de Barros diz também que todo menino é poeta, fazendo eco na afirmação de Freud de que toda criança, ao brincar, se comporta tal qual um poeta, na invenção de seu mundo de fantasia. Para a criança, tudo é casa do brincar, inclusive as palavras, assim como para o poeta, tudo é casa da poesia. É brincando com as palavras, ouvindo e contando histórias que a criança constrói seu repertório simbólico, amplia seu espaço de fantasia, nomeia aquilo que não pode ser dito, se apropria de sua verdade e elabora seu lugar diante do Outro, na família e no mundo. Não é sem razão que Jorge Luiz Borges afirma que o paraíso deve ser uma espécie de biblioteca. E que José Saramago questiona “se as histórias para crianças passassem a ser de leitura obrigatória para os adultos, seriam eles capazes de aprender realmente o que há tanto tempo têm andado a ensinar?”Desde muito tempo a literatura faz parte da vida do homem como forma de educação. Mas não só. Ela é também artifício, instrumento, para manter e cuidar da saúde mental. Em tempos sombrios, de devastação e guerra, a literatura serviu de alimento, de energia, de luz, de remédio para manter a vida. ¹A leitura, em suas mais diversas modalidades, seja silenciosa ou compartilhada, seja textual ou narrada, conta/dor do sujeito. Seu efeito terapêutico é permitir ao sujeito, a partir da leitura, elaborar suas dores, seus tormentos, suas angústias. Muitas vezes, ao ler um livro, temos a sensação de que é ele quem nos lê, nos interpreta. Nessa leitura o sujeito lê-se.

Podemos chamar esse efeito terapêutico da leitura de terapia literária ou mesmo biblioterapia. Há décadas popularizou-se nas estantes e prateleiras livros intitulados de autoajuda. Mas há séculos a literatura fantástica e ficcional serve de bálsamo, refúgio, remédio para elaborar e curar os aspectos mais essenciais da vida. Pílulas de poesia, contos a conta gotas, elixir de romances são as tarjas brancas encontradas nas prateleiras das farmácias literárias. É a ficção a mais pura forma de terapia literária. Nela encontramos estimulantes, antidepressivos e ansiolíticos. Pomadas para os ferimentos do amor, soníferos que aplacam a insônia, antitérmicos que nos fazem suportar a febre da saudade.
Essa prescrição vale para todos. Sejam crianças, jovens, adultos ou velhos. Não há livros para crianças ou livros para adultos. Há livros que nos permitem resistir à adversidade, abrir novas perspectivas, encontrar repertório afetivo, nomear nossos medos e angústias. A literatura enlaça educação e saúde. Faz dobradiça entre o educar e o cuidar, entre o privado e o público. Ela é remédio também para curar as dores de uma sociedade doente.

Gláucia Pinheiro

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