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Responsabilidade X Autonomia - As relações afetivas no divã

qui, 10/06/2021 - 12:03 -- Gláucia Pinheiro
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Responsabilidade afetiva é uma questão de cuidado.

Dia dos namorados chegando! Mais uma vez veremos deslizar por nossas timelines imaginárias, inúmeros romances com filtro. Cuidado! Se não devemos julgar um livro pela capa, muito menos devemos crer nos amores perfeitos e sem rasuras da vida irreal. Aproveitando a deixa desta data, vamos colocar no nosso divã as relações afetivas e a responsabilidade de cada um diante do outro e de suas escolhas.
Certamente você já ouviu por aí a expressão “responsabilidade afetiva”. Este termo está na ordem do dia quando o assunto são as relações amorosas nos tempos atuais. O uso dessa expressão não se limita aos encontros amorosos. Ela se estende a toda e qualquer relação de afeto com o outro. Porém, vamos aqui, trazê-la para o campo desse amor romântico, que faz o coração palpitar.
Embora esta expressão não seja do escopo da psicanálise, ela está na ponta da língua daqueles que se deitam no divã psicanalítico. É queixa constante do sujeito contemporâneo: o descompasso na vida amorosa, o desencontro com o outro, a falta de cuidado e transparência nas intenções das relações. Responsabilidade afetiva não se trata de reciprocidade de afeto, mas sim de não fazer do sujeito um objeto no jogo do prazer e da conquista.
Quando falamos de responsabilidade e de afeto no campo da psicanálise, precisamos trazer para a conversa a dimensão ética desses termos. Responsabilidade afetiva é uma questão de cuidado. Cuidado não somente com o outro, mas também consigo mesmo. Já o afeto, em termos psicanalíticos, é aquilo que incide sobre o sujeito. O trabalho de análise tem como um de seus objetivos levar o sujeito “a enfrentar as coordenadas e os impasses de seu desejo”. Dessa forma, cada um, na perspectiva analítica, tem também responsabilidade sobre aquilo que lhe afeta. Ou falando de uma outra forma, cada um é também responsável sobre como se deixa afetar pelo outro.
Assim, precisamos pensar a responsabilidade afetiva para além do ato em que o outro coloca o sujeito em posição de vulnerabilidade, de angústia, de dependência ou de falta de cuidado. É preciso também pensar em como cada sujeito pode responsabilizar-se pelas escolhas que faz diante do outro. Um dos caminhos do trabalho analítico é possibilitar ao sujeito desvencilhar-se de uma posição queixosa para questionar-se sobre suas escolhas. Responsabilizar-se por suas escolhas e seu desejo, coloca o sujeito numa posição autônoma diante de seus afetos.Dessa forma, trazemos para a conversa um termo que não estamos tão habituados a ouvir: autonomia afetiva. Responsabilidade afetiva e autonomia afetiva são faces da mesma moeda e nos colocam diante da ética das relações contemporâneas. E ao falarmos de ética estamos submetidos à máxima lacaniana de que cada um possa agir conforme o desejo e o discurso que sustenta. Lacan nos coloca a seguinte questão ao tratar sobre a ética: “agiste conforme o desejo que te habita?” E ainda afirma que “a única coisa da qual se deve se sentir culpado, pelo menos na perspectiva analítica, é de trair o seu desejo”. Ainda podemos fazer uso da poesia que tanto nos ensina sobre os caminhos e descaminhos do amor. Vinicius de Moraes anuncia no primeiro verso do seu Soneto da Fidelidade que “de tudo ao meu amor serei atento”. É ao seu amor e à sua posição diante do outro que o sujeito deve primeiramente atentar-se.
Freud, em seu texto “O mal-estar na civilização” aponta que uma das três fontes de sofrimento que acomete o homem é a relação com o outro. Sustenta inclusive a forma paradoxal com que essa relação se dá, uma vez que a fuga no outro, pela via do amor (que é fonte de mal-estar), é também uma forma de se esquivar do sofrimento.
Não podemos cair no engodo de discutir esse termo de forma rasa e centrada somente nos atos do outro. Ao seguir essa lógica de somente apontar a irresponsabilidade afetiva do outro e não se responsabilizar por suas próprias escolhas e atos, continuamos seguindo a mesma lógica que está no comando das relações amorosas de nossos tempos. É o amor nos tempos do eu, marcado pelo narcisismo, pelo olhar dirigido somente a si mesmo. Relações marcadas pela volatilidade, fugacidade, pela falta de cuidado, compromisso e transparência. De um lado, a irresponsabilidade do outro diante do sujeito e, de outro, a queixa e vitimização do sujeito diante de suas escolhas.
O que de fato precisa estar na ordem do dia, é a possibilidade de que cada um, diante de suas relações, possa construir essa autonomia dos afetos para se colocar diante do outro sem as amarras dos traumas, sem projetar suas carências, sem depositar na relação suas culpas, expectativas e frustrações. Se o amor comporta sempre um risco, ele é também, como nos ensina Freud, o que nos salva de enlouquecer. O encontro amoroso comporta sempre uma quota de desencontro e mal-entendido. Responsabilizar-se por suas escolhas e atos perante o outro e a si mesmo exige autonomia afetiva. Antes de falar de responsabilidade afetiva com o olhar lançado somente naquilo que vem do campo do outro e do qual não temos controle, é preciso estar atento a autonomia perante a própria vida e as próprias escolhas.
Se o amor cabe até onde não tem cabimento, se toda demanda dirigida ao outro é uma demanda de amor e o desejo que a envolve é um desejo de reconhecimento, é preciso fazer caber, antes de tudo, o amor próprio e o reconhecimento do seu desejo. O antídoto para se livrar da prisão da irresponsabilidade afetiva do outro é fortalecermos, a cada dia, nossa autonomia afetiva.

Gláucia Pinheiro

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