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Muito mais do que os olhos podem ver...

seg, 20/04/2020 - 15:04 -- Carlos Fernandes
Categoria: 
Créditos: 
Alle Tavares
Entrevistados matéria identidade negra

Os americanos Barack e Michelle Obama, os atores Lázaro Ramos e Thaís Araújo, a empresária Heloísa “Zica” Assis, o ex-ministro do STF Joaquim Barbosa... Não faltam exemplos de negros que, nas mais diversas áreas, são admirados pelo que representam.

Mas, longe dos holofotes, há muitas histórias escritas por pessoas que fazem a diferença e que, apesar das dificuldades, construíram sua identidade, conquistaram seu espaço e, voluntaria ou involuntariamente, refletem positivamente na vida de outros.

 

O NEGRO É LINDO!

Resgate da autoestima dos negros, em Macaé. Esta é a origem de um movimento que surgiu em 2009: a Tribo dos Malês. Inicialmente, para dar continuidade a um evento promovido em comemoração ao Dia da Consciência Negra. Porém, a partir dele nasceu o concurso “A mais bela negra de Macaé”. À frente dessas ações está a presidente e fundadora da Tribo dos Malês, Marilene Ibraim. “O que eu desejava com esse concurso era que todos pudessem ver a beleza negra e trazê-la para os espaços de prestígio da cidade para ser apreciada como ela merece”, relembra.

Marilene Ibraim

Com o tempo, a atuação da Tribo dos Malês só foi aumentando e incluindo trabalhos sociais que beneficiam milhares de pessoas, em especial, no projeto “Mulheres em Luta”, voltado à luta contra o câncer.

Mesmo assim, Marilene Ibraim considera que há muito a caminhar. “Não estou satisfeita, principalmente com as políticas públicas. A sociedade também precisa aceitar a todos, não apenas na negritude, mas na diferença de gênero, social e religiosa. Essa abertura é algo que ainda está sendo construído”, diz.

 

BELA E ENGAJADA, E DE ONDE ELA QUISER

Mulher, negra, da periferia e consciente. A jornalista e blogueira Laís Monteiro é idealizadora do blog “Encacheada”, que deu origem ao encontro anual “Encacheia Geral” e ao projeto “Resista +”, para debater o empoderamento e a cidadania do negro. É também potencializadora do “Desabafo Social”, organização que tem um representante em cada estado e utiliza a comunicação e novas tecnologias para promover educação, em direitos humanos.

Laís Monteiro

Da troca de informações sobre estética negra, cuidados para cabelos cacheados e crespos, as pautas raciais foram surgindo. E, hoje, o “Encacheada” vai além, abordando temas como aceitação, autoestima e construção de identidade. “Foi um caminho inevitável e hoje entendo que são assuntos complementares por saber como é difícil para o negro manter sua autoestima e se empoderar”, explica.
A própria Laís passou por um processo de aceitação. “A maioria das blogueiras orienta outras pessoas a se encontrar. Comigo foi o contrário. Eu encontrei minha identidade, me redescobri como mulher negra e me assumi como tal pela identificação com as histórias do blog”, conta.

A jornalista acredita que a era digital contribuiu muito para que pessoas negras tenham acesso a discursos de quem realmente as representa, o que potencializou a aceitação da estética, história e cultura negra. “Quando entendi que poderia utilizar minha experiência como comunicadora para potencializar discursos, identifiquei o meu papel na busca por igualdade racial. O jornalismo ajuda a me inserir nas novas formas de militância. E fico feliz pelo blog conseguir ter essa função social”, comemora Laís.

 

EDUCAÇÃO É O MELHOR CAMINHO

De acordo com o IBGE, em 2015, o percentual de negros universitários saltou para 12,8%, sendo que em 2005 eram 5,5%. Uma conquista influenciada por políticas de ações afirmativas, como as cotas raciais. Porém, apesar de o perfil socioeconômico ter se diversificado, os brancos no ensino superior somam 26,5%, mais que o dobro do total de negros.

E se hoje a dificuldade para o negro chegar ao ensino superior ainda se faz presente, o cenário já foi bem mais difícil. Principalmente para um estudante de origem humilde, filho de um sapateiro e uma costureira, oriundo do ensino público. Dificuldades que não impediram o hoje médico urologista  Dr. Daniel Galiza.

Dr. Daniel Galiza

Passei por colégios públicos e fiz um curso técnico até conseguir o meu primeiro emprego e poder fazer um pré-vestibular. A cor da pele não era uma questão em casa. Meus pais levavam muito mais em conta os valores e sempre me mostraram que a educação era o que me levaria a ser alguém na vida”, lembra.

Daniel passou no vestibular para medicina na Universidade Federal Fluminense (UFF), em Niterói. Na época, quase não tinha colegas com o mesmo perfil socioeconômico. “A condição social não permitia ver muitos negros na faculdade naquela época, já que o percentual de negros pobres sempre foi maior. Não tínhamos as cotas, que foram uma conquista recente. Era uma luta chegar ao ensino superior”, conta.

Mesmo após se formar, as dificuldades até se estabelecer não foram poucas. Mas, todo o esforço valeu a pena, pois este ano, ele completa 44 anos de carreira como um dos médicos mais respeitados de Macaé. “Tenho muito orgulho em ter conquistado meu espaço e o respeito na minha profissão graças à educação. Espero que minha história sirva de inspiração para outros”, diz. 


ORGULHO DE SER QUEM É

Se o assunto é ser agente transformador da sua realidade, Sheila Juvêncio é um belo exemplo de ascensão. Empresária no ramo de eventos e atual coordenadora da Escola Municipal de Artes de Macaé (EMART), desde criança se mostrava empreendedora.

Meu primeiro empreendimento foi com 14 anos, quando vendia calcinhas e sutiãs na loja da minha mãe. A produção de eventos veio em 2007, no teatro. Depois segui para os eventos na aérea offshore e outros segmentos. Quando fiz 10 anos de formada, voltei à EMART como coordenadora”, relembra.

Sheila Juvêncio

Sheila nunca teve problemas de autoestima. A empresária não se encaixava em alguns padrões impostos e, sempre “tirou isso de letra”, como ela mesmo diz. “Na época da escola tinham as piadinhas, mas eu tirava de letra. Na adolescência, a autoestima foi abalada por estar acima do peso, mas também superei. Para mim, existiam pessoas de cores e tamanhos diferentes e eu tinha a cor e o tamanho que me cabia”, explica.

Hoje, além do sucesso como empresária, Sheila é referência para os jovens negros que estudam na Escola de Artes. “Uma aluna negra olhou para minha sala e gritou: ‘Preta, gorda, mulher e pobre. Isso é representatividade!’. Eu gargalhei alto e fiz sinal de ‘namastê’ para ela. Nunca me senti incapaz e tenho muito a conquistar. Esse é o meu recado para eles”, diz.

 

DISCUSSÃO MAIOR

Negro, filho adotivo, família que vivia da pesca e, como tal, passava por dificuldades. Mesmo assim, seus pais assumiram o compromisso com a sua formação. Passou no vestibular para Engenharia, mas não concluiu por falta de dinheiro. Retomou os estudos e formou-se em Letras. Foi além: prestou concurso para a Petrobras e conseguiu um bom emprego. Paralelamente, sempre esteve ligado à cultura e é um dos fundadores do Grupo Acto de teatro. Hoje, pós-doutorando em Psicologia Social, Gilberto Alves possui artigos publicados sobre a valorização e a autoestima do negro. “Prefiro não fazer discurso de diferenciação, pois isso afirma essa separação entre as raças. Então, o que temos que discutir é a questão social, as condições humanas, não importa cor, sexo, opção sexual ou a origem”, explica.

Gilberto e família

Para Gilberto, o discurso de afirmação só tem validade se for para o negro ascender. Isso porque, para ele, essa discussão é muito mais social, por toda condição histórica que faz o negro enfrentar alguns estereótipos ainda hoje. “Cabe a cada um encarnar esses estigmas ou não. Há leis, direitos e tenho que ser respeitado, acima de tudo, como ser humano. Isso que acredito e tento afirmar para os meus filhos”, diz o engenheiro.

Para Gabriel, Pérola, Isabelle e Guilherme, filhos de Gilberto, a formação da identidade vai muito além de qualquer estereótipo. “Não assumimos o que somos só pelo cabelo. É uma forma de exteriorizar, mas não é só isso. Trata-se de um ajuste com a própria identidade. Não crescemos com o pensamento da diferença pela cor da pele e não somos determinados por isso”, afirma Pérola.

 

REPRESENTATIVIDADE IMPORTA SIM

O IBGE apontou no final do ano passado que, hoje, mais da metade da população brasileira (54%) é de pretos e pardos. Se por um lado isso é um fator de orgulho, por outro, convida a uma reflexão se isso representa, de fato, um Brasil mais plural. “Se somos 54% da população do país, o justo e certo é que sejamos mais representados em todos os espaços, principalmente nos cargos de liderança”, afirma a jornalista Laís Monteiro.

Estamos distantes do ideal, mas já dá para se reconhecer por aí, nas vestes, no cabelo, nas telonas. A cada dia estamos em ascensão, porque somos bons em tudo e já passou da hora desse reconhecimento”, finaliza a empresária Sheila Juvêncio.

 

Texto Carlos Fernandes

Edição nº 45/ Abril 2018

Revista Digital

 

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