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Ou isto ou aquilo

qui, 16/11/2023 - 11:45 -- Divercidades
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Há perdas inevitáveis, que atravessam o nosso caminho inesperadamente e comportam uma radicalidade. Há outras que são marcadas por escolhas, mesmo que forçadas, e que nos abrem brechas para inventar novos percursos.

Perda, um substantivo amargo. Perder, um verbo difícil de conjugar. Desde que nascemos e expandimos os nossos pulmões com aquele chorinho estridente, desde que os olhinhos se abrem para desbravar o mundo aqui fora, começamos a perder. Daí em diante, nesse intervalo entre o nascer e o morrer, a vida acontece, tecida nos fios das perdas. O nascimento é o primeiro passo para a finitude e a perda é essa experiência humana radical que se apresenta como imperativo na vida.
A animação infantil DivertidaMente, de forma lúdica e colorida, nos mostra como a primeira experiência de satisfação é mítica e fugidia. Abrimos os olhos, aconchegados no quentinho do cuidado e num estalito, está lá a satisfação de uma primeira experiência alegre, instaurando nosso aparelho psíquico. No instante seguinte, quase que no mesmo estalo, o desconforto, a insatisfação, o desprazer da tristeza nos invade.E assim a vida segue, nesse lá e cá, na busca insistente pelo prazer, pela constância da satisfação, por eliminar a dor, mesclando outras emoções, mas com a angústia, o afeto por excelência, ali, como um bichinho incômodo, que as vezes cresce, as vezes abranda sua mordida. E se viver é etcétera, como diz Guimarães Rosa, a vida se dá no gerúndio, digo eu. Vamos assim perdendo, ganhando, construindo, inventando, refazendo, (re) existindo... vivendo.
As perdas trazem junto consigo o luto, as frustrações, dores, fracassos e recomeços. E toda perda exige um tempo de elaboração daquilo que deixamos para trás para poder seguir em frente. Esse tempo, que só anda de ida, vai levando consigo o sofrimento e cicatrizando as feridas. Há perdas que são inevitáveis, que fazem parte da condição humana. São tempos de passagem que vão deixando marcas e mudanças. Os dentinhos de leite que caem dando lugar a dentões meio desproporcionais, a adolescência que vai nascendo nas transformações do corpo, as mechas grisalhas que se somam às rugas no espelho do banheiro. Há uma perda radical, que nos coloca diante da finitude do outro e de nós mesmos. A morte, essa perda avassaladora, nos arranca a presença, a voz, o cheiro, o tato. Deixa de resto só a lembrança. Há ainda outras perdas onde a vida não se estingue, mas que chegam de forma imprevisível. Atravessam o caminho como um caminhão desenfreado numa estrada sinuosa. Nos surpreendem, assuntam. Rompimentos que portam o imponderável, a violência, o incontrolável. Trazem a marca e a decisão do outro. 
Mudam o rumo, a rota, o sonho, o desejo. Nos quebram, nos viram do avesso. Aquela amiga que não mais responde as mensagens, a demissão de um trabalho desinteressante, mas que era base de sustento, o amor que decide ir embora no auge da sua paixão, o adoecimento que chega de mansinho e se instala, um filho que veste suas asas e voa para desbravar o mundo. E diante de todas essas perdas é preciso se refazer. Recalcular a rota, reposicionar o desejo, colar os caquinhos e fazer um caleidoscópio, vestir-se do avesso e, quem sabe, descobrir que esse avesso é o lado que te veste melhor.Outras tantas perdas que enfrentamos são respostas às nossas próprias escolhas. Diante dos impasses e encruzilhadas que a vida nos apresenta, decidimos, apostamos, escolhemos um caminho ou outro. Escolhas, às vezes, forçadas. É a bolsa ou a vida, como na metáfora trazida por Jacques Lacan. Só há uma escolha frente ao ladrão que nos exige que passemos a bolsa, com uma arma apontada para o nosso peito. Se escolhemos a bolsa, ficamos sem a vida. Ao escolhermos a vida, seguiremos em frente sem a bolsa, com essa parte que falta. Uma metáfora para nos dizer que a vida é sempre mordida pela falta. Em todas as escolhas, perdemos. Deixamos um tanto para trás. Em cada aposta, pagamos. Damos um passo sem garantias em direção aos nossos sonhos e desejos. Não há completude, não há tudo, não há todo. É sempre ou isto, ou aquilo como no poema que tanto recitamos na infância. Mas ao sustentarmos nossas escolhas, ganhamos.

É isso que nos ensina o trabalho de análise. Elaborar nossas perdas e escolher o que perdemos, sem nos perdermos de nós mesmos. Como ensina Freud, a análise nos ensina não somente o que podemos suportar, mas também o que devemos evitar. O trabalho de análise é um trabalho de perda. De perda de gozo. Um trabalho que nos permite abrir mão do gozo embutido no ganho secundário dos nossos sintomas, que nos possibilita desatar os nós que nos amarram a relações que nos aprisionam, que nos impede de ficar escravos dos narcisismos dos filhos, dos chefes, do capital. É nesse trabalho de perda que abrimos brechas para reinventar novos percursos, sustentar nossas escolhas e seguir na trilha do nosso desejo. É o que ganhamos quando perdemos.

Gláucia Pinheiro

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