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O amor, ainda...

qui, 14/06/2018 - 09:47 -- Gláucia Pinheiro
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namorados dando as mãos

Em nossa cultura convencionou-se comemorar o Dia dos Namorados no dia 12 de junho, data que precede a comemoração de um dos santos mais populares da nossa fé, Santo Antônio, o santo casamenteiro. Nessa época, vemos passar e passear pelas ruas e pelas nossas timelines, uma enxurrada de corações, beijos, flores em ramalhetes e declarações, numa celebração simbólica do amor. Uma demonstração efusiva da paixão, dos desejos e sonhos daqueles casais que, inebriados pelo seu início extratofísico e inquieto, se exibem, exibindo sua conquista, seu amor.

Aqueles que não exibiram nem bendizeram o amor, pois esse não lhes bateu a porta, ou entrou pela janela, nem mesmo nele se tropeçou na rua, fiam-se na fé, nas crentes promessas e nas milagrosas simpatias, na firmeza no desejo em viver um grande amor. Pois, claro, todos querem se apaixonar. Não há na vida momento mais vibrante, intenso e viceral do que esse, de descobrir e desvelar a paixão que aos pouquinhos vai se aboletando em amor. Basta voltarmos nosso olhar para o tempo da descoberta desse amor sem limites, para o inquietante e trágico amor pra sempre que a adolescência nos destinou, e que um dia, sem quê nem pra quê, vimos acabar.

O amor está na música, na prosa, na poesia. O amor está no cheiro do vento, no pôr do sol de verão, no céu azul do outono, na profusão de cores da primavera, no chocolate quente do inverno. Mas o amor não está nas prateleiras. Não está à disposição de qualquer um a qualquer hora, nem se pode pedir um punhado, a granel. Não se vende em loja, nem mesmo no Mercado Livre. Mesmo hoje, com as facilidades e o self service de ofertas nos mais diversos aplicativos, para se viver um amor é preciso escolha, decisão, encontro. Ou desencontro. E porque não, uma ajudinha de Santo Antônio. Não há formas, regras, padrões ou receitas para encontrar e viver um amor. É preciso desejo, e um tanto de fantasia. Não pode faltar fantasia. Pois o amor se compõe de ilusões.

Assim, hoje, aqui na nossa coluna, decidimos colocar o amor no divã. Falar de amor, dos mal-entendidos, dos tropeços, dos enganos, dos encontros e desencontros, das ilusões que amor nos reserva. Na verdade, o amor sempre esteve e está no divã. Desde lá, dos primórdios da psicanálise, quando Freud permite que as histéricas falem e se dá conta de que a sexualidade está no cerne da histeria.  Elas falam, muito. E falam de amor. Falam sob a égide do amor. E Freud vai nos alertar que a psicanálise é, em essência, uma cura pelo amor, o amor de transferência. Deitamos no divã para fazer amor, sob transferência. Para recordar, repetir e elaborar nossos velhos e primitivos romances, nossos romances familiares, e assim reinventar nossa forma de amar e apropriarmos de nossas escolhas amorosas.  É preciso coragem para se submeter a essa revolução que o amor provoca, para a reinvenção que ele exige que cada um extraia da sua própria jazida, mais íntima, para desbastar as mentiras inventadas e encarar as verdades sinceras.

Mas o amor é paradoxal. Os poetas que o digam. São eles as maiores autoridades quando se trata de amor. Falam com beleza daquilo que é “a mais profunda, radical e misteriosa relação entre os sujeitos”, como salienta Lacan. E é justamente por isso, pelo paradoxo que ele comporta, que é tão difícil amar. “O amor de duas criaturas humanas talvez seja a tarefa mais difícil que nos foi imposta, a maior e última prova, a obra para a qual todas as outras são apenas uma preparação”. (Rilke) E nem assim deixamos de amar. E é justo onde está sua maior dificuldade que está também sua maior beleza, eis o paradoxo. Na ilusão do encontro, do fazer-se um, de não sermos estranhos, da completude. Para amar e seguir amando é preciso saber-se faltoso, é preciso um tanto de estranheza, de suportar o mal-estar da diferença. É preciso arriscar e deixar cair as ilusões que mascaram nossas verdades.  Ao mesmo tempo em que a mais intensa fonte de sofrimento para o homem é sua relação com o outro, é a ela que recorremos quando queremos fugir do sofrer. Clamamos pelo amor, pelo cuidado, pelo que o outro pode nos oferecer. E nesse encontro com o outro, na busca de nos encontrarmos, vamos nos perdendo, nos labirintos do amor.

E quando menos se espera, quando se esquece de colocar o pobre do Santo Antônio de cabeça pra baixo dentro do congelador, quando não esperamos o príncipe encantando, no cavalo branco, para salvar a princesa da torre mais alta do reino mais distante, olhamos para o lado. E bem ali, na porta da escola, na fila do supermercado, ou tropeçando na rua no mais completo desconhecido, sem procurar, encontramos o amor.  Não aquele que tínhamos idealizado, mas aquele possível, aquele que chega junto, aquele que em meio ao desencontro, nos serve de morada. E assim, a análise, vai nos permitindo destacar, elaborar, o que nos faz apaixonar, o que nos faz desejar. Porque, em última análise é preciso amar para não enlouquecer. Pois, quem um dia irá dizer que existe razão nas coisas feitas pelo coração? Quem irá dizer que não existe razão?

Eu sou Gláucia Pinheiro, psicanalista
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