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Nunca pare de sonhar

qui, 11/08/2022 - 13:52 -- Divercidades
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Lá pelos idos do final do anos 90, num carnaval do século passado, um samba cantou o sonho. Dizia que sonhar não custa nada e que não se paga pra sonhar. Me perguntava: será que não custa nada sonhar? Nesse tempo, já tão distante na lembrança, onde tantos dos meus sonhos foram gestados em carnavais e embalados por sambas, estava eu tendo meu primeiro encontro com Freud e a psicanálise. E tão logo me deitei no divã para experimentar na carne, a experiência analítica, me dei conta de que o sonho é, de fato, matéria cara.Freud, ao inventar o inconsciente e instaurar uma nova prática clínica, busca no simbolismo dos sonhos o caminho para desvendar os enigmas das neuroses. Inaugura a psicanálise em 1900 com a publicação de um tratado sobre a interpretação dos sonhos, trazendo o trabalho dos processos oníricos para o centro da experiência analítica. Os sonhos, com suas deformações e distorções são a via régia para se chegar ao material inconsciente. O que está ali, no seu conteúdo latente, cifrado e escondido por trás de enigmas, é o desejo. Os sonhos são, em última instância, realizações de desejos inconscientes. Esse senhor, guardião do sono, é a bússola que aponta a direção do desejo. Daí a importância do sonhar. Para que cada sujeito, à sua maneira, possa se confrontar, se apropriar e tomar as rédeas do seu desejo, tornando-o realidade.Mas o sonho não é matéria cara apenas para a psicanálise. É um bem cultural. Ancestral. É matéria da arte, da poesia, da música. Até mesmo das religiões. Para alguns povos originários, o universo onírico é uma forma de ver, conhecer e explicar o mundo. Sonhar o futuro da vida, é sonhar imagens de transformação, é um modo de encontrar estratégias de preservação, proteção e resistência. Ailton Krenak, com suas “Ideias para adiar o fim do mundo” aponta o sonho como essa bússola que orienta nossas escolhas diárias, como caminho de aprendizado e autoconhecimento sobre a vida. O sonho coletivo é esse que sustenta o desejo de um mundo melhor. Raul Seixas, em seu Prelúdio, já dizia que “sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só, mas sonho que se sonha junto é realidade”. É sonhando junto que encontramos caminhos de transformação do mundo.
Em momentos de crises, em tempos sombrios, somos mais exigidos em nosso trabalho psíquico, tanto pessoal quanto coletivamente. O deserto pandêmico que tão recentemente atravessamos (em que ainda estamos) nos colocou cara a cara com nossas fragilidades e com o adoecimento da nossa cultura. Sonhar se tornou urgente. É isso que nos mostra o livro “Sonhos Confinados”, com os relatos quase poéticos das narrativas oníricas recolhidas durante o horror do confinamento. Estávamos num estado de sono profundo, com nossa capacidade de sonhar atrofiada. A pandemia nos despertou dessa letargia. Com os corpos isolados, os sonhos se libertaram e se esparramaram pelo dia vigilante. Ficamos ali, meio sem saber se estávamos acordados ou dormindo.Embora a pandemia tenha nos despertado do sono profundo, precisamos reaprender a sonhar. Em seu recente livro “Sonho Manifesto”, o professor Sidarta Ribeiro nos convoca a esse aprendizado. O sonho é essa capacidade ancestral que precisa urgentemente ser recuperada para que possamos sonhar um futuro. Para sonharmos um futuro, precisamos entender e não esquecer o passado. Nas palavras de Sidarta Ribeiro – “Para sonhar o futuro é crucial dimensionar quão longo e tortuoso foi o caminho percorrido por nossos ancestrais até chegarmos aqui. É preciso saber de onde viemos para planejar nosso percurso futuro, e é preciso saber aonde queremos chegar”.
Se somos movidos por crenças e se os sonhos não envelhecem, é chegada a hora de ter fé na vida, fé no homem, fé no que virá, pois nós podemos tudo, nós podemos mais. É hora de tomarmos na mão, cada um e todos, o desejo coletivo de um mundo melhor, e ir lá, fazer o que será. Nunca pare de sonhar.

Gláucia Pinheiro

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