Mais um Dia dos Namorados se aproximou, chegou, passou. Corações, declarações e sorrisos apaixonados nas inúmeras fotos que deslizaram pelas redes e nas mãos dadas pelas ruas. Alguns dizem que o amor é piegas, mas ele nunca sai de moda. Está sempre em pauta, na ordem do dia e na agenda de prioridades e conquistas. Esse amor, romântico, ganhou até dia, publicidade e celebração. No seu dia seguinte, o festejo para o santo, aquele com fama de casamenteiro.Para uns, dia de agradecer, para outros, de virá-lo de ponta cabeça, em protesto, por passar mais um Dia dos Namorados com amigos.
Mas por que protestar e não celebrar? Se for amizade, celebre!!!
Dia de celebrar o amor é todo dia. E não só esse amor romântico e idealizado, tão exaltado nas artes e que no cancioneiro poético dessa nossa língua e continente carrega até uma espécie de magia e encantamento.
A amizade, essa espécie de amor que nos serve de abrigo nos piores vendavais, merece também celebração diária. Já até instituíram um Dia do Amigo, mas sem tanta pompa e circunstância. E é a amizade que hoje vamos enaltecer e celebrar aqui. Por que celebramos tão pouco as amizades?
No divã, onde as relações amorosas estão sempre em questão, falar de amizade também é frequente. Se na psicanálise o amor, por essência, o amor de transferência, é campo de cura, é dos amores da vida que ela recolhe os traços. A transferência, conceito tão caro à psicanálise, mola para o trabalho analítico, constitui seu fundamento e instrumento, mas não é fruto dessa experiência. A transferência perpassa todas as nossas relações, amorosas, afetivas, de amizade. A escolha e permanência dos amores e amigos que passam pela nossa vida, está marcada pela transferência e carregaos vestígios das nossas primeiras relações.
No trabalho de análise, esse lugar de elaboração da nossa história, desaguamos as más águas, nossas dores e angústias. Falamos. Nesse trabalho a palavra é agente de cura e os silêncios nos põe a trabalhar. Diante de um outro, que se põe a nos escutar sem julgamentos, vamos desemaranhando os nós, tecendo, com os fios de nossa história os caminhos do nosso desejo. Caminhamos, ora com passos trôpegos, ora firmes. Tratamos dos nossos emperramentos, dos medos bobos e das coragens absurdas. O analista ali, orelha em pé, a escutar, a acolher nosso dizer, sem nenhum protagonismo.
Mas há momentos que a vida exige outro acolhimento diante do desamparo e do sofrer. As palavras ficam tão sufocadas e falar dói tanto, que nem ali, na análise, lugar privilegiado para tratar do sofrimento, é possível suportar. É do colo, do ombro, do abrigo, da palavra e da presença silenciosa de um amigo que precisamos. Analista não é um amigo. Amizade e análise, amigo e analista, são relações que guardam um hiato entre intimidade e distância. Se o trabalho de análise é necessário para nos desvencilharmos dos nossos sintomas e saber-fazer com eles, uma amizade é fundamental para partilharmos nossas dores e conquistas.
A própria psicanálise tem no seu nascimento e na sua invenção, a marca de uma amizade privilegiada. Freud partilhou e registrou em inúmeras cartas a seu amigo Fliess, suas dúvidas, seus impasses, seu cotidiano, seus dramas familiares e profissionais. Nesses registros estão os germes daquilo que posteriormente se tornou essa nova prática clínica. Chego a pensar que sem essa amizade não haveria psicanálise.
Com o analista falamos de tudo. Ele nos escuta com imparcialidade. Com um amigo, também falamos de tudo. Mas sua presença é totalmente parcial. Em certos tempos encontramos mais frequentemente o analista que os amigos. Mas é só chamar que eles estão ali, presentes, testemunhas da nossa história.
Andei ouvindo por aí que a amizade está em recessão. Fiquei me perguntando: será? São tempos estranhos e as relações, todas elas, parecem atravessadas pelos algoritmos, curtidas e afins. A velha canção do Roberto e Erasmo parece estar em alta. Muitos andam querendo ter um milhão de amigos, virtuais. Sem profundidade, sem compromisso, sem investimento. Mas prefiro recorrer a outrascanções. Amigo é feito casa, se faz aos poucos pra durar pra sempre. É raridade, preciosidade. Ser mano igual Gil e Caetano nesse mundo louco é pra poucos. Com tanto sufoco insano, encontrei o ombro pra chorar depois do fim do mundo. Dessas amizades que nem mesmo a força do tempo faz destruir.
Então, se for amizade, celebre!!! Porque amigo que é amigo é remédio milagroso contra a solidão. É sombra nos dias de sol intenso. É refresco que mata a sede, é abrigo nas tempestades. Amigo, se é amigo, está presente, quase que transparente, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença. É abraço que te resgata do fundo do poço, é torcida nas suas conquistas, é gargalhada solta das suas loucuras. É quem chora o seu choro e sorri seu sorriso. E que ainda te manda falar disso na sua análise.
GLAÚCIA PINHEIRO
Psicanalista e Doutorada em Psicologia.
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