O Pico do Peito do Pombo é uma marca imponente no Sana, com sua trilha sendo uma das mais procuradas por turistas. (Foto Cláudia Barreto)
O Pico do Peito do Pombo é uma marca imponente no Sana, com sua trilha sendo uma das mais procuradas por turistas. (Foto Cláudia Barreto)

Sana, a nova fronteira do turismo

Escondido entre vales e montanhas, na região serrana de Macaé, está o oitavo distrito do Sana, com pouco mais de três mil habitantes segundo dados da prefeitura. É um daqueles raros lugares onde o tempo parece obedecer a outro compasso. O que poucos sabem é que, ainda no século XIX, o arraial começou a ser povoado por imigrantes suíços, formando um reduto de agricultores que plantava café. Até hoje, o Sana preserva traços dessa ancestralidade, mesclados à exuberância da Mata Atlântica e ao frescor das suas águas cristalinas.
As cachoeiras que correm livres compõem o famoso “Circuito das Águas”, que encanta os turistas com nascentes, cachoeiras e poços que alimentam o Rio Sana, que corta o arraial e é um dos principais afluentes do Rio Macaé. Esse território, que antes era refúgio de poucos aventureiros e artistas, hoje ganha destaque nacional como um polo emergente de turismo sustentável e cultura comunitária. O ecoturismo, com sua proposta de valorização ambiental e experiências transformadoras, tem sido uma das principais portas de entrada para quem deseja conhecer o Sana além das paisagens.

Marcelo Borges, de braços abertos, foi um dos primeiros guias locais a levar as pessoas até o Peito do Pombo, aos 16 anos, e hoje, uma década depois, estima já ter levado mais de 7.000 turistas até o pico. (@sanarjj)
Marcelo Borges, de braços abertos, foi um dos primeiros guias locais a levar as pessoas até o Peito do Pombo, aos 16 anos, e hoje, uma década depois, estima já ter levado mais de 7.000 turistas até o pico. (@sanarjj)
O Peito do Pombo como referência
O guia de ecoturismo Marcelo Borges virou referência ao divulgar trilhas e vivências no alto do Peito do Pombo, sempre através das redes sociais @sanarjj. Com mais de uma década de experiência e trilheiros fiéis, Marcelo faz da subida de 1.400 metros de altura uma jornada de transformação.
Tem gente que sobe o Peito do Pombo e chora ao ver o sol nascer lá do alto. É um momento de renovar as energias e se reconectar às origens. A gente sempre fala da importância de preservar e de respeitar o lugar”, relata o guia.
Com um público diverso e abrangendo desde idosos até crianças, o novo roteiro de trilha, mais seguro e estruturado, inclui paradas estratégicas numa choupana, onde há banheiro e área para descanso próximo à chegada do Peito do Pombo. Marcelo estima ter levado mais de 7.000 pessoas até o pico, entre elas turistas estrangeiros, principalmente argentinos, além de chilenos, americanos e alguns europeus.

Ele e seu parceiro Arthur Perseguim conduzem grupos com até 15 integrantes, sempre aos fins de semana, com estrutura, segurança e consciência ambiental. “A gente recolhe lixo, alerta sobre o tempo, orienta o que levar. Nosso trabalho também é educativo. Precisamos crescer com equilíbrio, para não afastar justamente quem vem em busca de paz e reconexão”, declara Marcelo.

Dira Paes conheceu o Sana durante a pandemia, quando ficou hospedada na Fazenda Três Marias, tendo se apaixonado à primeira vista. Ela escolheu o lugar como locação para o seu primeiro filme Pasárgada, que foi todo rodado no arraial. (Foto Peter Wey)
Dira Paes conheceu o Sana durante a pandemia, quando ficou hospedada na Fazenda Três Marias, tendo se apaixonado à primeira vista. Ela escolheu o lugar como locação para o seu primeiro filme Pasárgada, que foi todo rodado no arraial. (Foto Peter Wey)

A natureza do Sana para o mundo

Esse cuidado com a natureza e a cultura do Sana também foi sentido pela atriz Dira Paes, que descobriu o distrito durante a pandemia, quando ficou hospedada na Fazenda Três Marias, se apaixonando à primeira vista. A conexão foi tão intensa que o distrito acabou se tornando o cenário do seu primeiro longa como diretora, Pasárgada (2024), que mescla ficção e elementos documentais. O filme, selecionado para o Festival de Cinema Brasileiro de Paris e o 52º Festival de Cinema de Gramado, é uma homenagem à simplicidade e à força das comunidades tradicionais.
Dira explica que a inspiração surgiu ao avistar bandos de pássaros sobrevoando o Peito do Pombo. “Era como se o céu falasse com a terra. O filme tem muito disso, observar, escutar a paisagem e entender que ela também conta uma história”, pontua a diretora.

A artesã Julia Righi (acima) chegou ao Sana ainda criança. Ela foi de expositora em feirinhas à uma das idealizadoras da tradicional Feira Cria Sana (no alto), um espaço que abriga arte e cultura. (Arquivo)
A artesã Julia Righi (acima) chegou ao Sana ainda criança. Ela foi de expositora em feirinhas à uma das idealizadoras da tradicional Feira Cria Sana (no alto), um espaço que abriga arte e cultura. (Arquivo)
Ela também destaca a exuberância da natureza e a generosidade dos moradores. “O Sana é um lugar que pulsa uma energia única, onde a natureza conversa com a alma. Ao filmar na localidade, senti que estava contando uma história que vai além da tela, é uma homenagem à simplicidade, à conexão profunda com o meio ambiente e à resistência cultural daquele povo, que inclusive estava presente em todos os sentidos, seja no elenco ou nos bastidores”, conta a atriz.

Essa atmosfera de encantamento que o filme revela também está presente na vida de quem trocou a agitação da cidade pela calmaria do Sana. Foi o caso do professor de educação física e orquidófilo Alan Sieber Junior que, há 16 anos, ao fundar o orquidário “Mundo da Lua” no arraial, transformou sua paixão por orquídeas em ofício. Ele é responsável pelo registro da Cattleya Sana, uma espécie híbrida de orquídea reconhecida por uma instituição inglesa. “É uma forma de eternizar o nome do Sana no mundo das flores”, conta.

Segundo Alan, a flora da região é um espetáculo à parte. “Já encontrei orquídeas raríssimas no meio da mata. A biodiversidade daqui precisa ser protegida com todo cuidado. Não basta contemplar, tem que preservar”, relata.Arte, música e pertencimento
Essa mistura de natureza, empreendedorismo e afeto também está presente na trajetória da artesã Julia Righi, 42 anos, que chegou ao Sana ainda criança e nunca mais foi embora. De expositora em feirinhas à idealizadora da tradicional Feira Cria Sana, Julia ajudou a criar um espaço que hoje abriga arte, cultura e resistência. “Aqui, a gente inventa, reinventa e cuida do que é nosso. A feira é um símbolo de união da comunidade”, afirma.
Julia também lidera o projeto Nossa Casa, um espaço que oferece oficinas gratuitas para mulheres, crianças e mães atípicas. Musicalização, costura, elétrica básica, tecido acrobático — tudo cabe no sonho coletivo que ela ajuda a construir. “A gente entendeu que precisava fazer algo para fortalecer o feminino, o coletivo, o futuro”, destaca.
O Raiz do Sana já se apresentou na Europa e em grandes festivais Brasil afora. Suas letras levam o estilo de vida simples do Sana, junto à natureza, para as pessoas. (@raizdosanaoficial)
O Raiz do Sana já se apresentou na Europa e em grandes festivais Brasil afora. Suas letras levam o estilo de vida simples do Sana, junto à natureza, para as pessoas. (@raizdosanaoficial)

Se a arte traduz em cores e formas o espírito do lugar, a música dá voz à alma do Arraial. E se tem uma trilha sonora que cria essa atmosfera mágica, ela vem da banda Raiz do Sana. O grupo nasceu entre amigos em 1998, com aquele forró de forma despretensiosa em volta da fogueira. Hoje, a banda é patrimônio afetivo da região e embaixadora informal do distrito.

Atualmente, o grupo é formado por Tati Veras (voz e triângulo), Elysio (baixo), Rodrigo Ramalho (violão), Léo Oliveira (bateria), Frank Furtado (zabumba) e Raphael Rabello (flauta e sax). O grupo já se apresentou na Europa e em grandes festivais Brasil afora, mas nunca perdeu o vínculo com suas raízes. Para eles, cada apresentação é mais do que um espetáculo, é um gesto de amor e defesa do território.

A gente leva o Sana no nome e nas letras, ao mesmo tempo que tocamos o coração das pessoas. Nosso show é um convite e também um alerta: preservar o Sana é garantir que nossos netos também possam sentir essa energia”, diz a vocalista Tati Veras.

O Village Sana Apart Hotel Serrano foi inaugurado no início deste ano na Cabeceira do Sana. Idealizado por Marcelo Falles junto com as filhas Juliana e Marcela Borges, o empreendimento é prova que o local está atraindo investimentos no setor para atender o crescimento do turismo. (Arquivo)
O Village Sana Apart Hotel Serrano foi inaugurado no início deste ano na Cabeceira do Sana. Idealizado por Marcelo Falles junto com as filhas Juliana e Marcela Borges, o empreendimento é prova que o local está atraindo investimentos no setor para atender o crescimento do turismo. (Arquivo)
Investimentos privados e público
A empresária Marcela Borges aposta no turismo de reconexão. “O Sana é conhecido por sua natureza exuberante, cachoeiras cristalinas e atmosfera tranquila. É o destino ideal para relaxar e se reconectar”, resume. Ela, a irmã Juliana e o pai Marcelo Falles investiram na construção do Village Sana Apart Hotel Serrano, inaugurado em janeiro desse ano. Com cerca de 10 mil m² de área construída, o hotel fica na Cabeceira do Sana e oferece tudo para aumentar o bem-estar dos hóspedes, como: spa, piscina natural com toboágua e gastronomia diferenciada. “Passamos nossa adolescência na Barra do Sana. Esse projeto era um sonho antigo do nosso pai, que realizamos este ano”, conta Marcela.

Segundo ela, a percepção de quem vem de fora tem sido extremamente positiva. “As pessoas buscam um turismo diferente, de conexão, de cuidado e o Sana oferece exatamente isso. Nós construímos um lugar para receber bem as pessoas”, diz a empresária.

O Éden Café oferece cafés especiais no Sana, onde os amantes da bebida podem saborear seu café junto a natureza exuberante. (edencafesana)
O Éden Café oferece cafés especiais no Sana, onde os amantes da bebida podem saborear seu café junto a natureza exuberante. (edencafesana)
Já Gustavo Rodrigues é dono do Éden Café, e trocou a cidade de Niterói pelo pequeno lugarejo, isso há 27 anos. Com uma vasta experiência no ramo da gastronomia, abriu uma cafeteria onde os cafés especiais são os protagonistas para os turistas apreciadores da bebida.  Ele acredita que o lugar ainda possui um grande potencial turístico e empreendedor. “Estamos perto da capital, da Região dos Lagos, são cidades que têm muito a contribuir e elevar o Sana ao potencial máximo do turismo nacional”, comenta.
De olho nesse potencial, a Prefeitura de Macaé investiu mais de R$ 120 milhões na pavimentação e drenagem da estrada que liga a Barra do Sana ao Arraial e à Cabeceira do Sana. O trecho de 14 km foi dividido em três etapas e projetado com foco em segurança e sustentabilidade. “É uma região onde chove muito, então preparamos toda a canalização da água pluvial para evitar acidentes”, explica o prefeito Welberth Rezende. Como compensação, a prefeitura promove o plantio de mais de 3.500 mudas de espécies nativas.
O prefeito Welberth Rezende sempre foi um apaixonado pelo Sana. A obra de asfaltamento da estrada era um sonho antigo dele, atendendo a demanda da população local e também incentivando o desenvolvimento do turismo na região serrana de Macaé. 9Arquivo SECOM)
O prefeito Welberth Rezende sempre foi um apaixonado pelo Sana. A obra de asfaltamento da estrada era um sonho antigo dele, atendendo a demanda da população local e também incentivando o desenvolvimento do turismo na região serrana de Macaé. 9Arquivo SECOM)

O chefe do Executivo, que frequenta o Sana desde a juventude, vê a entrega da obra como a realização de um sonho pessoal. “Levar o asfalto até o Sana era mais que um compromisso como gestor, era um desejo antigo, que precisava ser feito com responsabilidade com o meio ambiente e com a população. Essa estrada melhora a mobilidade, garante mais segurança e salva vidas. É uma intervenção que também favorece o escoamento da produção rural e o acesso de turistas com conforto. Também estamos criando regras de proteção na região, como a limitação dos lotes para evitar especulação, além de novos atrativos turísticos, como uma grande área de lazer temática, que ainda está em estudo e terá uma conexão com o lugar. O turismo precisa caminhar junto com a preservação. Só assim o Sana continuará sendo esse santuário de beleza e memória”, finaliza o prefeito.

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