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Como nossos pais

sex, 29/12/2017 - 19:42 -- Gláucia Pinheiro
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homem vendo o sol nascer

 Nossa coluna completa um ano. Fazer aniversário é sempre motivo de alegria. É tempo de comemorar e agradecer. Aqui, e nesse momento, a comemoração é sem bolo ou presentes, mas com palavras. São elas, as palavras, que vão, uma após outra, tecendo como numa costura o bolo, a vela, os presentes e brindes desse um ano de trabalho e parceria.

Juntamente com o aniversário de nossa coluna, é chegado também o final de mais um ano. Tempo de festas, de felicitações, de sorrisos e lágrimas, em que, além de comemorar e agradecer, somos convidados a refletir.

Há um ano, na estreia desse novo trabalho, na aposta lançada em um ano novo, nos perguntávamos se junto com ele também viria uma vida nova. O tempo que passa implacável e o desejo que insiste sem descanso permeavam nossas reflexões de final de ano, na aposta de que 2017 anunciasse boas novas. Passamos por um ano sombrio, duro, que nos exigiu firmeza e força para não desistirmos no meio do caminho. Um ano de retrocessos, de desmandos e de nossa esperança e dignidade sendo posta a prova. Um ano depois, mas não sem o desejo pulsante e insistente, o convite à esperança permanece aberto, lançando, mais uma vez, a aposta em tempos melhores.

Na coluna de hoje não deixaremos que “nenhuma reflexão filosófica estrague a fruição das coisas simples da vida”, como nos salienta Freud ao falar tão lindamente em entrevista sobre o valor da vida. Peço licença para deixar em segundo plano qualquer saber teórico e escrever meio que em associação livre num convite à lembrança e à reinvenção.

O hábito de escrever cartas

Sempre tive por hábito escrever cartas. À mão, como agora escrevo esse texto (que será digitado, claro, porque não será posto num envelope e enviado pelo correio). As cartas me prestavam muitos serviços. Passei minha infância e adolescência numa cidadezinha florida e de ruas de paralelepípedos do interior de Minas Gerais (àquela época, pois hoje o asfalto toma conta e as flores sumiram da praça). Lá, nesse tempo de sonhos e fantasias, a espera do carteiro, que passava sempre a tarde pela Rua Santos Neves, era ansiosa. Nas cartas que eram jogadas pela janela do escritório, que dava para a rua, chegavam notícias já velhas das amizades de férias. Elas traziam as juras do amor adolescente da capital que se renovavam quando era chegado o final de semana. A exigência de um tempo de espera. Entre escrever, receber, ler e responder, um tempo de elaboração se impunha. Aquilo que precisava tão urgentemente ser dito e contado, se dissolvia na elaboração da escrita, no passar a carta a limpo, ou mesmo no atropelo de novos e não menos importantes acontecimentos.

As cartas não me serviam somente para encurtar saudades. Eram também escritas, endereçadas, sem nunca serem postadas (postar é uma palavra antiga...). Não chegavam a seus destinos, talvez porque o destino delas era tão somente elaborar os sonhos, a angústia, o medo, a dor, o desassossego que sempre e desde sempre me acompanhava. Ficavam ali, no caderno, muitas vezes em rascunho, para serem revisitadas de tempos em tempos.
Hoje, em tempos de urgências, de mensagens instantâneas, do self service das relações, dos aplicativos all inclusive, do tempo real dos selfies e stories nas redes sociais, não há tempo de espera. O intervalo é engolido pelo imediatismo da visualização de uma mensagem. Somos muitas vezes tomados de assalto pela lembrança espantosa de como vivíamos sem os smartphones, o wifi banda larga ou sem a vida dos outros passando pela nossa timeline. A vida passava e passeava pela rua.Esperávamos as notícias passar pelas nossas janelas, abertas, e não fechadas pelas grades e cercas de condomínios ou no anteparo da tela do computador.

Ainda hoje carrego comigo o hábito de escrever cartas. Ao escrever esse texto revisitei um pacote de lembranças guardadas no fundo de um guarda roupas velho na casa da minha mãe. Algumas vezes escrevo para meus filhos, em meio ao desassossego, e guardo certa esperança de que eles levem consigo minhas palavras, minha letra. Outras tantas, escrevo tão somente para encontrar em mim aquilo que me falta.

E o hábito da música

Assim como o costume das cartas, sempre me encantei com a música. A música é meu oxigênio, minha oração, meu bálsamo, meu descarrego. Minha vida pode ser contada por uma trilha sonora, ou play list para aqueles adeptos aos novos nomes para velhos costumes. Mas confesso ser difícil escolher uma só canção para cada acontecimento. Para hoje, nesse dia de festa, comemoração, agradecimento e reflexão, e também um dia de passagem, de encerramento de um ciclo e de apostar na reinvenção, (ou na revolução), escolhi uma, só uma, que tem uma força ímpar, para nos servir de guia.

“Como nossos pais”, canção de Belchior, eternizada na voz de Eliz Regina, que acompanha minha história desde que a ouvi ainda muito pequena através dos gostos e desgostos de minha mãe. E a música vai, em forma de carta, tendo como destinatário todos aqueles que se inquietam, que sonham, que desejam. Que lutam! Que acreditam na força da vida que pulsa na certeza de que precisamos de pouco para fazer um amanhã melhor.

Macaé, 29 de dezembro de 2017.

Ei,

Espero que, apesar dos pesares, esteja bem.

Não quero lhe falar aqui ou contar sobre aquilo que aconteceu em 2017. Um ano duro e árido para nós brasileiros que acreditamos na justiça, na força de nossa nação e no seu povo. 2017 daqui a pouco será passado e em 2018 faremos história. Embora 2017 tenha nos marcado com retrocessos, desmandos, falhas e fracassos, ele também nos fez olhar para frente e arregaçar as mangas para lutar. E quem disse que não mudamos o passado?Não podemos mudar as escolhas feitas ou os fatos reais vividos. Mas mudamos sim. Mudamos o passado quando podemos elaborá-lo, resignificá-lo, enxergar a partir de outro ponto de vista ou com outras lentes. Não podemos simplesmente esquecê-lo num canto do armário como uma roupa que não nos serve mais. O passado, as experiência, histórias e escolhas vividas, deixam suas marcas. O que faremos com elas, a partir desse novo olhar é o que nos interessa hoje. Porque o novo sempre vem. Sobre os fracassos, a vida é feita deles. De vez em quando é que acertamos e ganhamos de brinde um pouco de satisfação e felicidade.  São os tropeços, as falhas, que nos faz corrigir a rota e avançar, seguir em frente e crescer.

Viver é sempre um risco. Uma arte e um ofício, só que exige cuidado, como diz outra canção. Mas tenha certeza, viver é melhor que sonhar. Mas desejo que não percamos nossos sonhos. Que eles se renovem com a chegada de 2018.Os sonhos nos alimentam de esperança. Aliás, desejo mesmo que 2018 renove nossa esperança no amor. Pois sei que o amor é uma coisa boa e que será nossa arma contra toda intolerância.  Mas também sei que qualquer canto é melhor do que a vida de qualquer pessoa. O amor, assim como a vida, é tortuoso. Por isso é preciso cuidado. Para além do risco que é viver e amar há perigo logo ali na esquina. Por hora parece que eles venceram e o sinal está fechado para nós que já nem somos mais tão jovens.

Temo sim pelos que virão, pelos meus filhos, pela falta de perspectiva que os assola, pela desilusão e pelo desamparado que hora se anuncia nesses tempos de crise.  Temo pelo que eles possam enfrentar se de fato perdermos a guerra. Que eles possam, sem medo ou preconceito, quebrando a intolerância, abraçar seu irmão e beijar sua menina, na rua, e não perder sua voz nem o encantamento. Minha dor mais aguda é perceber que apesar de toda luta, de terem e termos feito tudo que fizemos o retrocesso ainda assim vença e eles, meus moços, pobres moços, vivam acuados como nossos pais. Desejo que em 2018 não sejamos os mesmos e que saiamos da apatia atormentada. Desejo que nossos filhos e netos colham esperanças de um país melhor. E que nossos ídolos permanecem fazendo resistência. Os de ontem e os de hoje. Há quem faça resistência ainda hoje. Há quem faça da sua arte um fazer também político. Minha alma se revigora ao ouvir meus filhos cantando Chico!

Acredita? Eles, atentos, me perguntaram outro dia pela minha paixão. Respondi que estou encantada como uma nova invenção (já que tenho música para tudo). Há que se preservar a esperança, a alegria e o trabalho em meio às tormentas. Decidi. Eu vou ficar nessa cidade, não vou voltar pro sertão. Vejo vir vindo no vento cheiro de nova estação. Verão chegou!  Mar calmo e água gelada. Há de curar as feridas vivas do coração.

E quanto à luta, não vamos esmorecer. Nesse quesito ainda somos os mesmos, vivemos e lutamos como nossos pais. Pois, apesar de, amanhã há de ser outro dia. Até 2018!!!!

Eu sou Gláucia Pinheiro, psicanalista
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