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Por que a psicanálise?

sex, 30/10/2020 - 14:11 -- Gláucia Pinheiro
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É preciso lembrar que a psiquiatria, assim como a psicologia e a psicanálise, são disciplinas sustentadas na ética de não apagar a subjetividade do sujeito.

Inicio este texto que marca meu retorno à coluna “No Divã”, com a pergunta colhida do livro que leva este título, da psicanalista e historiadora francesa, Elisabeth Roudinesco. Esta interrogação será nosso ponto de partida para pensarmos sobre o que leva alguém a buscar um tratamento psíquico. Frente ao mal-estar que tanto nos ronda nos dias de hoje e diante de tantas ofertas de soluções rápidas e milagrosas para eliminá-lo, outra pergunta se faz presente. Que profissional devemos buscar quando precisamos cuidar da nossa saúde mental?
Outro motivo pelo qual lanço mão desta pergunta como ponto de partida, é o fato de ser a psicanálise a teoria, a prática clínica e o discurso que me atravessa. Dessa forma, aqui “No Divã”, no nosso divã, abordaremos os mais diversos temas e assuntos pelo viés da psicanálise.
Vivemos hoje tempos bastante nebulosos, de muitas incertezas e inseguranças. A pandemia do Covid-19 escancarou um grande buraco e abriu a caixa de Pandora, soltando nossos monstros, medos, abalando nossos afetos, acentuando nossas angústias e provocando um intenso sofrimento psíquico. Desde sempre os homens sofrem. Sofrem porque não é possível viver sob a égide da satisfação plena dos desejos. Desde que nascemos e mergulhamos no caldo cultural da linguagem, estamos fadados a uma quota de sofrimento. E é porque sofremos, porque somos afetados por nossas dores internas e pelas dores do mundo, que precisamos buscar ajuda e cuidar de nossa saúde mental.
Hoje, estamos diante de um sofrimento psíquico que atende pelo nome de depressão. Ela, a depressão, é a grande doença contemporânea, como já anunciava Jacques Lacan no final do século passado. Porém em nossos tempos, diante da busca desesperada de vencer o vazio do seu desejo - pois a depressão se apresenta nessa impossibilidade de desejar - vemos sujeitos pulando daqui para ali, numa via sacra em consultórios médicos e terapêuticos, na busca dessas tais respostas rápidas e milagrosas que lhe arranquem o sofrimento. E nessa busca, muitas vezes, não encontram tempo para refletirem sobre a origem do seu sofrimento.
O campo da saúde mental é bastante vasto. Ele nasce no seio da medicina e se estende para as ciências da alma. Durante a Idade Média, a loucura passeou pelo terreno da bruxaria, das coisas inexplicáveis e demoníacas. Com o passar dos tempos e com os avanços culturais, o doente mental, as histéricas e todos aqueles acometidos de qualquer sofrimento psíquico, puderam ser ouvidos e tratados a partir da sua singularidade, com dignidade.
A psiquiatria, a psicologia e a psicanálise são as três áreas do campo PSI que tratam do sofrimento psíquico na saúde mental dos sujeitos. Porém, embora façam parte de um mesmo campo de atuação, são disciplinas com abordagens teóricas e direções de tratamento bastante distintas, exigindo também uma formação diferenciada e específica, com atividades privativas próprias a cada prática clínica. Cada uma delas tem seus conceitos fundamentais e um escopo teórico no qual se edificam.
O prefixo PSI que se apresenta nas três disciplinas – psiquiatria, psicologia e psicanálise – deriva-se do grego psychê, que significa alma, espírito, mente. Este termo pode também ser traduzido como sopro e remete ao autoconhecimento.  A mitologia grega, tão cheia de ensinamentos, apresenta a divindade Psychê como a personificação da alma na busca pelo autoconhecimento. Desta forma, essas disciplinas PSIs, desde a suas origens, remontam ao logos, ao estudo e tratamento das doenças e sofrimentos da alma, da mente e do espírito.
Muitos sujeitos, quando acometidos e atormentados por suas angústias veem-se perdidos diante da oferta de especialidades, sem saber diferenciar essas práticas clínicas. Iniciam dessa forma uma busca pouco criteriosa e esclarecida, muitas vezes equivocada, por profissionais que possam acolhê-lo no seu sofrimento. Como então diferenciar essas três áreas que tratam do sofrimento psíquico? Que tipo de direção terapêutica buscar como tratamento?

A psiquiatria é uma especialidade médica. É preciso que se tenha formação médica para atuar como psiquiatra. É a mais antiga das ciências que estudam e tratam da arte de curar a alma. Ela surge na Idade Média juntamente com os primeiros asilos e hospitais destinados aos doentes mentais e ao confinamento da loucura.  A atuação da psiquiatria se baseia na identificação diagnóstica das doenças e sofrimentos mentais, na sua classificação e tratamento. Tem como prática privativa a prescrição das terapias medicamentosas e psicofarmacológicas.
Mas o tratamento psiquiátrico não só pode, como deve, ser conjunto com um acompanhamento psicoterápico ou psicanalítico. Para tratar as questões mais profundas e as dores mentais, não basta somente o uso de antedepressivos, ansiolíticos ou reguladores de humor. É preciso também a palavra. É por esse motivo que o psiquiatra, por ser habitualmente o primeiro profissional procurado diante do sofrimento psíquico avassalador, além de prescrever a terapia medicamentosa, orienta seus pacientes a buscarem uma psicoterapia ou análise.
A distinção entre a psicologia e a psicanálise é um pouco mais imprecisa. Desde o nascimento da psicologia como profissão no Brasil, há 58 anos, a psicanálise é uma disciplina que também faz parte do currículo de formação do psicólogo. Porém, psicologia e psicanálise, embora sejam contemporâneas em seus nascimentos como campos teóricos, no final do século XIX, florescem em terrenos distintos. A psicologia, filha de Wundt, tem seu berço em experimentos feitos em laboratório, de forma objetiva e com ênfase no comportamento. Ela nasce com base na fenomenologia. A psicanálise, filha de Freud, nasce da prática clínica, a partir da escuta da subjetividade e das experiências traumáticas vividas pelo indivíduo. A forma de se abordar o sintoma psíquico é a marca radical que diferencia essas duas práticas. A psicologia tratará o sintoma e a subjetividade pela via do comportamento, a psicanálise, inaugurando a terceira ferida narcísica da humanidade, forjando o conceito de inconsciente, tratará o sintoma e a subjetividade pela via do enigma a ser decifrado, do material recalcado.  Porém, tanto a psicologia quanto a psicanálise são práticas que têm a escuta como seu principal instrumento.
A psicologia engloba variadas abordagens teóricas e práticas psicoterápicas. É mais generalista e vai das terapias cognitivas e comportamentais às existências e humanistas. São diversos os teóricos e as práticas que fazem avançar a psicologia. Ela utiliza-se também de outros recursos, tais como testes psicométricos, avaliações psicodiagnósticas, escalas de aferição da linha do desenvolvimento. Já a psicanálise se sustenta como uma prática discursiva, um lugar de fala e da escuta de si. A experiência da análise leva o sujeito de encontro com o que há de mais radical no seu desejo. É o lugar privilegiado da palavra e tem como sua regra fundamental a associação livre. Não há em sua direção de tratamento objetiva, com protocolos a serem seguidos e a busca de uma adaptação ou eliminação dos sintomas. O divã é o lugar de se deitar e vivenciar na carne a radicalidade do inconsciente e da experiência analítica. Vários são os psicanalistas que fizeram avançar o campo aberto por Freud. O mais relevante deles é Jacques Lacan, que retoma os conceitos fundamentais da psicanálise e a radicalidade do inconsciente.
A formação do psicólogo se dá pela graduação na faculdade de Psicologia. Uma formação generalista, que perpassa diversas abordagens teóricas e campos de atuação. É uma formação por conhecimentos acumulados por diversas especializações. Já a psicanálise, não exige uma formação acadêmica específica. Há psiquiatras psicanalistas, psicólogos psicanalistas e outros profissionais que ao se endereçarem à experiência analítica e ao estudo permanente da psicanálise também podem tornar-se analistas e praticar a psicanálise. Porém, este é um tema que poderemos aprofundar mais num outro momento aqui na coluna.
Para encerrar é preciso lembrar que a psiquiatria, assim como a psicologia e a psicanálise, são disciplinas sustentadas na ética de não apagar a subjetividade do sujeito. E não há dor psíquica, sintoma, transtorno, desordem, síndrome, déficit, espectro, conforme insistem em nomear o sofrimento nos tempos atuais, que a escuta e o tratamento seja privilégio de uma dessas práticas.

Até a próxima!


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